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#DILMA

A política externa da reconstrução nacional

Não há bolsonarismo no vácuo social e histórico. Ainda que Jair Bolsonaro seja, por larga margem, o maior responsável pelo desarranjo cataclísmico da política externa brasileira, convém dar a César o que é de César

Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias
#DILMA17 de mar. de 234 min de leitura
O presidente Jair Bolsonaro durante a cerimônia de posse dos novos procuradores da República, em 11 de janeiro de 2019, em Brasília. Foto: Daniel Marenco/HDLN
Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias17 de mar. de 234 min de leitura

Conduzir-se nas relações internacionais nunca é tarefa banal. Em qualquer tempo e lugar, sempre haverá para o governante de turno um conjunto de dilemas existenciais e de escolhas de Sofia. 

No Brasil de 2023, a máxima poderia ser levada às últimas consequências. No banco de reputações, fomos deixados sem um vintém. Num mundo em chamas, entre uma pandemia letal e uma guerra brutal, resolvemos ser “párias na vida”. Fica difícil até pensar em conjuntura pior para tal dose de experimentalismo autodestrutivo.

A nossa sorte: um tanto por incompetência do ex-mandatário do país, ora turista em Orlando, e outro tanto por robustez das instituições nacionais, continuamente fustigadas por Jair Bolsonaro e sua trupe, as fundações do edifício diplomático permaneceram intactas. Salvo melhor juízo, o Brasil não deixou de ser Brasil ao longo dos quatro anos de barbaridades diárias. Venceu a resiliência. Venceu a esperança.

A leitura do documento final do GT de Relações Exteriores, produzido pela equipe de transição de Lula III, permite ver o caminho tentativo que o novo governo empreenderá. Sai o antiglobalismo, volta o institucionalismo; sai a retórica odiosa e armamentista, volta o pacifismo e a ênfase na negociação; sai o ator isolado por opção, volta o campeão do multilateralismo. Uma lufada de ar fresco.

Ainda que previsível, o retorno do Brasil histórico soa como verdadeiro realinhamento de órbita do planeta Terra – esse, aliás, tão maltratado, e tachado de “plano”, até bem pouco tempo atrás.

Vacas sagradas, espíritos de porco e bodes expiatórios

Há algo de constrangedor, porém, para um leitor do documento que, por acaso, tenha estado vivo e minimamente atento à cena política brasileira na década passada. Refiro-me à construção narrativa de que Dilma Rousseff, a 36ª chefe de Estado brasileira, foi proponente de uma política externa "prestigiosa", baseada em "universalismo assertivo".

O pareamento da gestão Rousseff aos anos Lula/Celso Amorim serve, a um só tempo, para tentar reabilitar um quadro do Partido dos Trabalhadores e, também, enaltecer o seu último chanceler, Mauro Vieira, atual titular do Itamaraty. A versão dos fatos, todavia, passa longe de ser consenso entre historiadores e comentaristas políticos. Dilma fez gestão internacional bastante discreta, senão inapetente e omissa. De fato, no seu segundo mandato, ela esteve sitiada.

A mão pesada do PT comparece em outros trechos do texto – como, por exemplo, na proposição das linhas de uma política externa regionalista. Embora acerte na maior parte do tempo, a equipe nomeada por Geraldo Alckmin faz vista grossa para a escalada de autoritarismos. Entende-se a lógica: se Lula quiser liderar a América Latina, terá de propor diálogo a todos os atores relevantes. 

Com notórios espíritos de porco a ocupar a presidência de Venezuela e Nicarágua, porém, a sensação é de que o atual presidente brasileiro arrasta uma pesada bola de ferro. Para não melindrar vacas sagradas da esquerda latino-americana, acaba criando os seus bodes expiatórios.

Conhecereis a verdade...

O referido documento faz difícil equilibrismo entre a condenação ao impeachment de Rousseff, como convém ao petismo, e a impossibilidade de verbalizar tal insatisfação, dado que Aloysio Nunes Ferreira, o chanceler de Michel Temer, e Cristovam Buarque, então um defensor da defenestração da ex-presidenta, integravam o time da transição. 

Após receber a notificação das mãos do senador Vicentinho Alves (PR-TO), e fazer uma declaração à imprensa, a presidente afastada Dilma Rousseff deixa o Palácio do Planalto, em 12 de maio de 2016. Foto: Daniel Marenco/HDLN
Após receber a notificação das mãos do senador Vicentinho Alves (PR-TO), e fazer uma declaração à imprensa, a presidente afastada Dilma Rousseff deixa o Palácio do Planalto, em 12 de maio de 2016. Foto: Daniel Marenco/HDLN

Assim, nas brumas do frenteamplismo, perdeu-se um pouco da necessária precisão factual. Afinal, foi Dilma, não Jair, quem primeiro investiu as fichas na OCDE e, lamentavelmente, descontinuou a cooperação técnica com africanos. Bem antes de o capitão reformado declarar todo o seu amor por Donald Trump, Temer já promovia o "realinhamento sem recompensas" com a Casa Branca. A inadimplência com órgãos internacionais, aliás, pode facilmente ser associada à política lulista de expansão da máquina diplomática e contração de novos compromissos financeiros no plano multilateral.

Em verdade, não há bolsonarismo no vácuo social e histórico. Ainda que Jair Messias Bolsonaro seja, por larga margem, o maior responsável pelo desarranjo cataclísmico da política externa brasileira, convém dar a César o que é de César. Um diagnóstico acurado, com a devida identificação de causas e efeitos, é o primeiro passo rumo à ansiada reconstrução nacional.

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