#POLÍTICA
Brasil, o laboratório para o experimento populista-ultradireitista no mundo
Para sair das cordas, os “guerreiros da liberdade” – na rotulação cínica que Steve Bannon fez dos terroristas – terão de inventar um fato novo. É hora de vigiar e responsabilizar os criminosos
Dawisson Belém Lopes, para Headline IdeiasOito de janeiro de 2023 já está inscrito nos livros de História do Brasil como o dia da sublevação de homens e mulheres, majoritariamente brancos, majoritariamente ricos ou remediados, majoritariamente “conservadores” ou “religiosos”, majoritariamente provindos de cidades pequenas e médias do Centro-Sul, contra o Estado de Direito, a democracia liberal e a Constituição ora vigente no Brasil.
O quebra-quebra dos três palácios de governo – Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal – também se caracterizou como o momento da história contemporânea do país em que, por omissão ou comissão, as forças de segurança pública, nomeadamente o Exército e a Polícia Militar do Distrito Federal, colaboraram com um ensaio terrorista que fez do Brasil, na atual circunstância, o laboratório de ponta do experimento populista-ultradireitista no mundo.
É importante insistir nesse ponto: não estamos sós. O Brasil é visto e examinado com atenção por sociedades e indivíduos em todo o planeta. De chefes de governo a motoristas de táxi, todas e todos têm uma palavra de perplexidade sobre o que se passa no gigante da América do Sul. As imagens do nosso “domingo sangrento” correram velozes. Chocaram, sim, mas não surpreenderam os que já conheciam a situação doméstica do país.
O ramerrão da desconfiança eleitoral, alimentado por Jair Bolsonaro e asseclas durante anos, e intensificado nos 2 meses após a vitória de Lula na urna, deu combustível e um suposto pretexto jurídico para milhares de insurretos que, em emulação da invasão do Capitólio, nos EUA, resolveram partir para o tudo ou nada.
"Startup" do terror
O “modelo de negócio” dos golpistas consistiu em, por longos 70 dias, acampar em frente a quartéis-generais do Exército do Brasil, espalhados por todo o território nacional, protestando contra fraude supostamente praticada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no intuito de dar vitória a Lula. Embora exaustivamente apontada, a tal “fraude” nunca foi nem remotamente comprovada, em que pese todo o esforço feito não apenas pelo ex-presidente Bolsonaro, senão também por importantes membros das Forças Armadas, em criar clima de suspeição e cortina de fumaça. Tanto assim que, lá pelas tantas, os militares conseguiram se infiltrar em grupo de trabalho do TSE para atestar a confiabilidade das urnas – como se mandato para isso tivessem...
A verdade é que, no comparativo entre os casos estadunidense e brasileiro, salta aos olhos o papel ativo e patentemente inconstitucional que as Forças Armadas do nosso país, em especial o Exército, desempenharam. Enquanto as três Armas nos Estados Unidos se mantiveram distantes do jogo político barra-pesada entre Republicanos e Democratas, aqui elas se envolveram até o pescoço num governo pífio – e, com boa probabilidade, o mais militarizado da história brasileira, superando inclusive o gabinete da ditadura militar, a depender dos critérios mobilizados. O Exército, a força mais influente, chegou a emitir, por meio de membros da reserva e da ativa, mensagens simpáticas às manifestações golpistas. Funcionou, no fim das contas, como verdadeira incubadora dos atos antidemocráticos – ora em investigação.
Felizmente, para os que têm na democracia a única via admissível, a primeira tentativa de golpe consumada pelos bolsonaristas malogrou. O “Capitólio brasileiro” fracassou em ganhar escala e repetir-se em outras praças do país. A adesão militar não foi maciça – ou a intentona não teria sido debelada, e os terroristas presos, ainda no dia 8 de janeiro. Ao cabo, a ‘startup’ do terror não conseguiu emplacar o seu modelo de negócio no mercado político.
O que vem por aí?
Se estivermos realmente lidando com fenômeno transnacional de alcance global, é importante atentar também para eventos que se desenrolam além das fronteiras nacionais. E uma parte substancial desse jogo está sendo jogada no tabuleiro da América do Norte, onde forças do trumpismo tentam se reorganizar para, em 2024, ganhar a indicação do Partido Republicano e disputar as eleições presidenciais com alguma chance de bater o Partido Democrata, provavelmente coesionado em favor da reeleição de Joe Biden. Dessa dinâmica completamente alheia ao cenário brasiliense e brasileiro dependerá – quer me parecer – a sobrevida política de figuras de proa do dito bolsonarismo.
E não é só isso. No front europeu, a aliança não escrita de franceses e alemães contra os avanços do populismo de ultradireita deixa pouca margem para Bolsonaro buscar socorro – e, eventualmente, asilo – no Velho Continente. Mesmo na Itália, terra onde floresceram Berlusconi, Salvini e Meloni, não há clima para acomodar fórmula tão cruenta como o bolsonarismo. Na América Latina, candidatos a Bolsonaro de antanho – Kast e Milei – tampouco se entusiasmam com a associação ao Trump dos Trópicos, particularmente após o momentoso 8 de Janeiro.
Esse progressivo esgotamento de opções da Internacional Extremista, embora possa indicar tendência auspiciosa no médio prazo, acende um sinal de alerta máximo. As próximas semanas serão tensas em Terra Brasilis. Para sair das cordas, os “guerreiros da liberdade” – na rotulação cínica que Steve Bannon, alegado mentor de Jair Bolsonaro, fez dos terroristas domingueiros – terão de inventar um fato novo.
Acuado, o Foro de Orlando – referência à cidade estadunidense onde os cabeças do movimento golpista, por acaso, estiveram – seguirá investindo contra as forças institucionais do Estado brasileiro. É hora de vigiar e, nos termos estritos da lei, responsabilizar exemplarmente os criminosos. Muito está em jogo.
* Dawisson Belém Lopes é professor de Política Internacional na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e "academic visitor" (2022-2023) do The Latin American Centre da Universidade de Oxford, Reino Unido