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Este não é um texto sobre política externa

Para além dos verdadeiramente incomodados com erros de um governo, há quem opere de modo estratégico, fazendo de gafes políticas e diplomáticas os seus convenientes cavalos de batalha

Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias
#POLÍTICA12 de mai. de 234 min de leitura
A política exterior, especialmente em país como o Brasil, jamais se subordinará aos interesses de um só setor. Foto: Daniel Marenco/HDLN
Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias12 de mai. de 234 min de leitura

Entre todas as políticas públicas de um Estado, a política externa é das mais complexas. É difícil delimitar-lhe o escopo temático. De que trata, afinal? De economia, segurança, educação ou saúde? Com frequência, de tudo isso e mais um pouco. Ela pode até parecer distante do nosso cotidiano, mas permeia cada ato da vida das coletividades nacionais. Basta prestar atenção.

Como nenhuma outra, é política processada em dois níveis interdependentes – dentro do país, onde é formulada, faz-se síntese de qualquer governo; além das fronteiras, onde é implementada, representa o somatório das expressões de uma sociedade. A partir da política exterior, invariavelmente, conhece-se a visão de mundo do líder – ou a ausência desta.

O essencial e o acessório

A comunicação de massas, por força da sua própria dinâmica simplificadora, poderá impor algumas distorções às matérias sobre relações internacionais. Até aí, nada de mais, nem de menos. O problema começa quando, por técnica de simulacro, se alega (ou se pretende) dar conta da política externa, mas a verdade é que, na substância, o objeto é bem outro.

Não é sobre política externa, por exemplo, aquela cobertura midiática que transforma a decisão brasileira de voltar a cobrar vistos de cidadãos de EUA, Canadá, Japão e Austrália, sob justificativa de reciprocidade diplomática, em “questão de alta indagação” para agentes de viagem. Notem bem: a dimensão turística pode ser – e frequentemente é – importante para cálculos de política externa. Mas essa, a política exterior, especialmente em país como o Brasil, jamais se subordinará aos interesses de um só setor. Há que ir além.

Tampouco é sobre política externa, a rigor, a abordagem jornalística que, em detrimento do essencial, enfatiza o acessório. Imagine tratar uma viagem presidencial ao estrangeiro como se desfile de gravatas e vestidos fosse. Acontece – e com recorrência irritante. Pertencentes à mesma classe de fenômenos, estão as manchetes sobre tarifas de suítes presidenciais – que, para piorar, sequer trazem contexto: logística do evento, tamanho de delegação hospedada, média de preços, diferença de câmbio... Ainda que possam entreter ou insuflar alguns públicos, não são histórias que digam respeito ao interesse nacional.

Talvez mais desconcertante, porque em desuso, é a problematização jornalística da intensa agenda de viagens internacionais do atual mandatário, em cotejo com o seu antecessor no cargo. Invoca a mentalidade provinciana do brasileiro e desconsidera as vocações do globe-trotter e do pária – por assim dizer. Essa linha argumentativa poderia fazer sentido num mundo pré-globalização, em que os ambientes interno e externo eram tratados como água e óleo; hoje em dia, não se sustenta nem por um segundo.

Guerras políticas por procuração

Não necessariamente guiadas por preocupações de política externa são as leituras que martelam questões morais, de forte apelo simbólico e potencial eleitoral. Sem receio de errar, diria que, ademais dos legitimamente incomodados com erros e omissões de um país na relação com o resto do mundo, também há quem opere de modo estratégico, fazendo de “humoristas em Cuba” ou de “padres na Nicarágua” seus convenientes cavalos de batalha na luta política doméstica. Cumpre avaliar, caso a caso, a consistência dessas reivindicações.

O exemplo limítrofe, nestes dias que correm, tem sido a guerra na Ucrânia. Seu potencial mobilizador é altíssimo. Eis por que, ao longo das últimas semanas, muito do noticiário internacional, no Brasil, foi inundado por fragmentos de fala de Lula da Silva sobre o conflito europeu. O registro descuidado do chefe de Estado brasileiro – que resolveu improvisar, durante viagem aos Emirados Árabes, sobre tema tão espinhoso quanto delicado – levou a gafes conceituais e diplomáticas. A avalanche de comentários que se seguiu – em meios de imprensa e redes sociais – não terá sido provocada, todavia, por genuíno interesse em política externa. É só a política “normal” mandando lembranças.

* Dawisson Belém Lopes é professor de política internacional na UFMG

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