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O Brasil não pratica “diplomacia do conhecimento” – e isso é grave

Desconsiderar a geopolítica da produção do conhecimento e as diferentes formas como ela modula a economia e a sociedade globais é um erro grave de planejamento estratégico

Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias
#MEIO AMBIENTE31 de mar. de 235 min de leitura
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, encontra-se com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov (à direita), à margem da reunião dos ministros das Relações Exteriores do G20 em Nova Delhi, 1º de março de 2023. Foto: Divulgação do Ministério Exterior da Rússia/AFP
Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias31 de mar. de 235 min de leitura

No discurso feito à nova legislatura do Congresso nacional chinês, primeiro após a sua reeleição, o presidente Xi Jinping afirmou:

“Devemos implementar a estratégia para revigorar a China por meio da ciência e da educação, a estratégia de aperfeiçoamento da força de trabalho e a estratégia de desenvolvimento impulsionada pela inovação. Devemos nos concentrar em alcançar maior autoconfiança e força em ciência e tecnologia. Devemos também promover a transformação e atualização da nossa indústria, promover o desenvolvimento urbano-rural e regional coordenado, fazer mais esforços para construir uma economia e uma sociedade verdes e de baixo carbono, melhorar efetivamente a qualidade e expandir adequadamente a produção de nossa economia – a fim de aumentar constantemente nossa força econômica, capacidades científicas e tecnológicas, e força nacional conjugada.”

Mesmo que não haja nada de efetivamente novo na fala acima, a explicitude chama a atenção e traz um ponto essencial. Xi põe todas as fichas da República Popular da China, país que governa há mais de uma década, no complexo do conhecimento – ciência, tecnologia, inovação, educação – para seguir adiante com a missão de liderar 1.4 bilhão de seres humanos. Faz todo sentido.

A batalha das nações por protagonismo global, hoje em dia, dá-se também entre programadores de computador, estrategistas de mercado, artistas populares, chefs de cozinha premiados, influenciadores de redes sociais, comunicadores de massa, analistas de dados, pensadores inovadores. Mudaram as balizas. Quem ainda não tiver captado essa reviravolta nas regras do jogo, virá a sofrer as suas consequências como destino.

Indícios preocupantes

Tendo recentemente visitado Nova Déli, onde participou de encontro anual de líderes globais (Raisina Dialogue), o chanceler Mauro Vieira foi instado a tratar do assunto. A moderadora da mesa denominada “O G20 e o Imperativo do Desenvolvimento”, Chandrika Bahadour, pediu a painelistas que apontassem uma proposta prioritária em que os países ali representados deveriam atuar.

A representante do governo italiano, Elisabetta Beloni, falou primeiro. Enfatizou a necessidade de disponibilizar fundos para a educação, inclusive a financeira e a de mulheres. Vieira, falando em sequência, concordou protocolarmente com a importância da educação, mas disse que a prioridade do governo Lula – e, por extensão do argumento, a do G20 – deveria ser a agenda de mudança climática e meio ambiente.

Não há nada de errado com a posição brasileira em si, fique bem entendido. Poderíamos até discutir se o G20, instrumento institucional criado no rescaldo da crise financeira de 2007-2008, é o espaço adequado para a ênfase proposta por Beloni ou por Vieira. Seja como for, incomodam mais seriamente a falta de criatividade político-diplomática e a subestimação do tema educacional, óbvio e inseparável complemento do debate ambiental contemporâneo.

Não há priorização do meio ambiente sem a ciência do clima, sem as novas tecnologias verdes, sem o desenvolvimento sustentável baseado em conhecimento empírico, sem a inovação para uma economia de baixo carbono. Não existe avanço nessa seara sem um esforço concomitante por reformatação das mentalidades. Uma pena que tais questões tenham sido percebidas em chave disjuntiva.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fala à imprensa após reunião com o enviado especial do clima dos Estados Unidos, John Kerry, no Palácio do Itamaraty, em Brasília, em 27 de fevereiro de 2023. Entre os pontos que serão abordados na visita de Kerry está a intenção dos Estados Unidos de fornecer recursos para programas de conservação e preservação da Amazônia, incluindo o aporte de recursos ao Fundo Amazônia. Foto: Evaristo Sá/AFP
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Foto: Evaristo Sá/AFP

Para além, é desolador percorrer centenas de páginas, em relatórios elaborados por grupos de trabalho da equipe de transição de Lula III, nas áreas de Relações Exteriores, Educação ou Ciência e Tecnologia, e não identificar traço de um projeto de “diplomacia do conhecimento” para o Brasil.

O teto da imaginação política esbarra nos trilhos institucionais já estabelecidos – programas de intercâmbio estudantil no nível do MEC, iniciativas pontuais de diplomacia cultural (destaque para o recém-criado Instituto Guimarães Rosa) ou de "diplomacia da inovação" no Itamaraty, chamamentos a uma ciência internacionalizada por parte do MCTI. Precisamos de bem mais do que isso.

Uma ausência notável

A diplomacia do conhecimento supõe ampla coordenação de atores – ministérios de educação e/ou ciência, escolas, universidades, centros de pesquisa e de promoção cultural, indústrias intensivas em tecnologia, hospitais, think tanks, especialistas, rede diplomática e consular – e de ações concretas. É essa articulação de esforços, passível de ser vista em países tão diversos quanto Austrália, Canadá, Malásia, Taiwan, Emirados Árabes Unidos e Qatar, que remodelará ideias e definirá as possibilidades de uma sociedade nacional no futuro.

Desconsiderar a geopolítica da produção do conhecimento, e as diferentes formas como ela modula e esculpe a economia e a sociedade globais, é um erro grave de planejamento estratégico. Erro que um país como o Brasil, que ficou acorrentado por vários anos aos grilhões da ignorância e do anticientificismo, não pode mais cometer.

* Dawisson Belém Lopes é professor de política internacional a UFMG e pesquisador visitante do The Latin American Centre da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

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