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Um elogio à posição brasileira na Guerra da Ucrânia

Com o impasse nos campos de batalha e nos foros diplomáticos, que papel caberia a um país relativamente periférico e apenas medianamente potente como o Brasil?

Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias
#POLÍTICA3 de mar. de 234 min de leitura
Lula participa de videochamada com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em 2 de março, no Palácio do Planalto, em Brasília. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação Presidência da República
Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias3 de mar. de 234 min de leitura

Decorrido um ano desde a invasão russa do território ucraniano, o saldo é inequivocamente trágico.

Cidades inteiras na Ucrânia foram devassadas por tropas de Vladimir Putin. Mortes são contadas aos milhares. Refugiados, aos milhões. A economia ucraniana sofreu abalo equivalente a 40% do seu PIB – o que, por si só, é indicador eloquente do estrago a ela infligido. Cada vez mais armado e apoiado pelo Atlântico Norte, Volodymyr Zelensky não dá sinais de que vá retroceder. A bravura dos cidadãos locais tampouco autoriza prognóstico de capitulação.

Os russos, por seu turno, têm de lidar cotidianamente com custos nada triviais de uma guerra de conquista. As sanções ocidentais não conseguiram asfixiar a Federação – cujo desempenho econômico, segundo projeção do FMI (Fundo Monetário Internacional) para 2023, deve superar o de Reino Unido e Alemanha. Ainda que Moscou não consiga acessar bens com alto componente tecnológico, o bloqueio comercial e estratégico não impede que países como China, Índia e Turquia sigam provendo os demais gêneros.

De parte a parte, o apoio social ao estado de beligerância só faz aumentar. Com o impasse nos campos de batalha e nos foros diplomáticos, e a sombra de uma guerra longa e desgastante no horizonte, que papel caberia a um país relativamente periférico e apenas medianamente potente como o Brasil? Ser ou não ser uma parte ativa no embate fratricida dos eslavos? – eis a questão hamletiana que nos aflige.

Da "ambiguidade calculada"...

Às vésperas da invasão, encontrava-se em Moscou um Jair Bolsonaro fagueiro e ostensivamente “solidário” à Rússia. O serviço de inteligência brasileiro – conforme fontes confiáveis hoje relatam – não contemplava o cenário da guerra. Na contramão de projeções fatalistas feitas pela Casa Branca, o desavisado líder do Brasil resolveu excursionar por campo minado. Alguns dias depois, teve de se haver com as palavras levianamente jogadas ao vento. Aquela foto ao lado de Putin, afinal, cobraria um pedágio.

Deu-se, a partir de então, uma sucessão de recuos e avanços. No afã de não desagradar grupos de apoio dentro e fora do Brasil, o ex-presidente buscou equilibrar-se entre discursos fragmentários e contraditórios. Ora acenou para Zelensky e o Ocidente, condenando a invasão no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas), ora aliviou a barra de Putin, invocando uma certa noção de “neutralidade” diante das partes em contenda.

O petroleiro ucraniano Yevgen Omelnyk, 25, senta-se em seu tanque em uma posição perto de uma linha de frente na região de Kharkiv, em 2 de março, em meio à invasão russa da Ucrânia. Foto: Anatolii Stepanov/AFP
O petroleiro ucraniano Yevgen Omelnyk, 25, senta-se em seu tanque em uma posição perto de uma linha de frente na região de Kharkiv, em 2 de março, em meio à invasão russa da Ucrânia. Foto: Anatolii Stepanov/AFP

Tecnicamente, porém, neutralidade nunca houve. Bolsonaro tentou “ganhar nas duas pontas” e afagou, ao mesmo tempo, o financista americanófilo da Faria Lima e o produtor rural dependente de fertilizante russo. Se simpatizava pessoalmente com o autoritarismo de Moscou, também sabia não poder contrariar o establishment militar de Washington. Quando a questão deixou de pagar dividendo eleitoral, o ex-presidente do Brasil jogou a bomba no colo dos profissionais da diplomacia. Convenhamos: coragem, coerência e consistência nunca foram virtudes do bolsonarismo.

...ao "clube da paz"

Embora o vetor resultante – o posicionamento efetivo diante das nações em guerra – não difira tanto em relação ao que foi praticado no governo anterior, Lula da Silva mudou o enquadramento do tema. Saiu da postura reativa e tentou propor o destravamento do jogo. O truque diplomático envolveu a inversão da chave de leitura: em vez de apenas se defender dos efeitos colaterais da beligerância, o mandatário colocou fichas na construção da paz mundial, tendo o gigante da América do Sul como facilitador.

Ambiciosa quanto possa soar, a fórmula para reposicionar o Brasil no tabuleiro geopolítico é acertada. Repousa em nossa bicentenária tradição de mediar conflitos – das arbitragens de Dom Pedro II ao Grupo do Rio, sem deixar de lado a pedagógica experiência da Declaração de Teerã. Também encontra respaldo na lei – nomeadamente, nos princípios listados no artigo 4º do texto constitucional. Mais importante: capta com exatidão a natureza do dilema internacional que estamos a vivenciar. Em meio ao esforço de reconstrução da boa reputação internacional, a aposta pacifista e autonomista de Lula se paga. Se vingará, é outra conversa.

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