Conecte-se

Ideias

#POLÍTICA

Quem shippa a aliança Brargentina?

Se você nasceu nos anos 1980 ou antes, é bem possível que ainda esteja estranhando a recente proximidade diplomática entre Brasil e Argentina

Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias
#POLÍTICA1 de set. de 235 min de leitura
Lula e o presidente argentino, Alberto Fernandez, apertam as mãos durante uma coletiva de imprensa no palácio presidencial Casa Rosada, em Buenos Aires, em 23 de janeiro de 2023. Foto: Luis Robayo/AFP
Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias1 de set. de 235 min de leitura

Se você nasceu nos anos 1980 ou antes, é bem possível que ainda esteja estranhando a recente proximidade diplomática entre Brasil e Argentina.

Rivais desde o século XIX, momento de definição das fronteiras nacionais e de guerras sangrentas na Bacia do Prata, os dois maiores países da América do Sul realizaram, no curso dos últimos 30 anos, uma das mais espetaculares conversões de relacionamento tóxico em aliança política. É o que notaram os professores Cameron Thies e Mark Nieman, em sua obra Rising Powers and Foreign Policy Revisionism, voltada para a análise de política externa por meio da “teoria dos papéis”.

O marco consensual entre historiadores para indicar a mudança de rumos foi a relação forjada entre os presidentes José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina, do que resultou o primeiro embrião de projeto de integração regional, base do atual Mercosul. Antes mesmo do retorno à normalidade democrática, contudo, generais de lá e de cá já buscavam um modus vivendi para distensionar as políticas exteriores ao sul da América.

A criação de Itaipu Binacional, em fins dos anos 1970, estabeleceu importante precedente de cooperação estratégica que, em estágio ulterior, levaria Brasília e Buenos Aires a cogitarem caminhos para superar as desconfianças. Um significativo filhote dessa rearticulação é a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), fundada em 1991, na esteira da transformação dos humores diplomáticos.

Minguou o galvãobuenismo social

Pesquisas de opinião captaram um fenômeno desconcertante, ao fim de 2022, quando da partida final da Copa do Mundo no Qatar: havia mais brasileiros torcendo pela vizinha Argentina – a tradicional adversária da Seleção Canarinho – do que para a França. Ok, há circunstâncias futebolísticas atenuantes e agravantes, de parte a parte; ainda assim, o fato chocou muitos dos observadores atentos à cena esportiva. Afinal, por vários anos, foi comum deparar-se com o mantra do narrador Galvão Bueno – “ganhar da Argentina é sempre mais gostoso”. Parece não ser mais o caso.

Se a vida imita a arte, é possível atribuir ao rosarino Lionel Messi, gênio mundial do ludopédio, uma ponta na crescente popularidade da Argentina. O país vizinho atrai turistas brasileiros em massa e, desde a chegada do cardeal Jorge Mario Bergoglio à chefia da Santa Sé, mobiliza ademais os religiosos mais ardorosos. Malbec, chorizo, alfajor e dulce de leche já foram incorporados às dietas em Terra Brasilis. Há, é bem verdade, a persistente face feia da relação: o racismo, a xenofobia, o rancor renitente. Nada, porém, que anule a dinâmica fortemente conectora entre sociedades nacionais. Nunca antes os hermanos foram tão íntimos.

A etapa mais recente da aproximação entre Brasil e Argentina remonta aos dois atuais mandatários dos países, Luiz Inácio Lula da Silva e Alberto Fernández. É digno de nota que, enquanto o primeiro esteve encarcerado, o então candidato à presidência argentina o defendeu publicamente; e, num gesto de solidariedade elevada, veio a Curitiba, capital paranaense, deixando-se fotografar ao lado de Celso Amorim, coordenador internacional da campanha “Lula Livre”, com os dedos a formar um “L”.

A aliança guindada a novo patamar

A chegada dos amigos ao poder, em seus respectivos países, veio acompanhada de novas juras de amor. Empossado pela terceira vez como plenipotenciário, Lula escolheu exatamente a Argentina para inaugurar o seu périplo pelo mundo. Também empenhou publicamente apoio ao país platino, prometendo recursos do BNDES para financiamento de exportações brasileiras. Fez ainda mais: levou a crise financeira argentina ao conhecimento do G7, em Hiroshima, cobrando das potências soluções para alívio imediato e apontando o dedo em riste para as instituições de Bretton Woods.

Lula participa da sessão plenária durante a Cúpula do BRICS 2023 no Centro de Convenções Sandton, em Joanesburgo, em 23 de agosto de 2023. Foto: Gianluigi Guercia/POOL/AFP
Lula participa da sessão plenária durante a Cúpula do BRICS 2023 no Centro de Convenções Sandton, em Joanesburgo, em 23 de agosto de 2023. Foto: Gianluigi Guercia/POOL/AFP

A última jogada diplomática, que consagrou a nova aliança “Brargentina”, foi a inclusão de Buenos Aires – por solicitação explícita de Brasília – entre os novos membros do grupo BRICS, a coalizão revisionista de grandes nações do Sul Global. Embora a Argentina conserve certo porte na economia, integrando o G20, sua presença na lista final de contemplados com vagas soou como surpresa. O aceite foi interpretado como concessão ao Brasil, su hermano mayor, e à China, sócia majoritária do BRICS e maior parceira comercial argentina.

Para tempos vindouros, a dúvida que fica é se Buenos Aires acederá, de fato, ao grupo BRICS. Mesmo que a entrada já tenha até dia para acontecer – 1º de janeiro de 2024 –, é possível que um fato interveniente – a vitória do ultradireitista e “anticomunista” Javier Milei, hoje o líder das pesquisas, ou da candidata da direita clássica, Patricia Bullrich – impeça a realização do plano. Se o próximo incumbente argentino, que assumirá a Casa Rosada em 10 de dezembro de 2023, porventura optar pela rejeição ao convite, a aliança Brargentina, por certo, também sairá abalada.

#POLÍTICA
INTERNACIONAL
BRICS
SUL GLOBAL
DIPLOMACIA