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Quem vai ficar com Jair?

Se tudo tramitar mais ou menos dentro da institucionalidade, é provável que, pisando novamente o chão pátrio, Jair Bolsonaro tenha de prestar contas à Justiça

Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias
#POLÍTICA3 de fev. de 235 min de leitura
O ex-presidente Jair Bolsonaro concede uma coletiva de imprensa no Dezerland Park, em Orlando, na Flórida, em 31 de janeiro. Fotos: Chandan Khanna/AFP
Dawisson Belém Lopes, para Headline Ideias3 de fev. de 235 min de leitura

Todo mundo quer saber: quem dará, afinal, teto ao ex-presidente do Brasil?

Essa é a pergunta de um trilhão de bytes. Não fugindo aos costumes do tempo presente, eu resolvi fazê-la ao novíssimo melhor amigo do homem – o ChatGPT. Para meu desalento, contudo, o dispositivo de inteligência artificial não ajudou muito. Limitou-se a afirmar – em tom algo moralista, algo isentão – que:

“Não posso especular sobre os planos futuros de Jair Bolsonaro, incluindo a questão de uma possível fuga. Além disso, fuga não é uma solução adequada para questões políticas ou legais, e qualquer questão deve ser resolvida através de meios legais e democráticos.”

Tudo bem, a gente entende. Não é a primeira vez em que, numa bola dividida, um humano (ou humanoide) sobe em cima do muro. Enquanto a faculdade de opinar com sinceridade for apanágio dos bípedes de carne e osso, é melhor que nós mesmos nos incumbamos do enrosco. E, convenhamos, a resposta à pergunta feita no título do artigo está longe de ser simples.

O hóspede inconveniente

Bolsonaro conseguiu criar para si situação bastante desconfortável. Inaugurou a modalidade da fuga do próprio país sem motivo jurídico. Afinal, desde que o Brasil é Brasil, nunca antes um de seus governantes se evadiu do exercício de suas funções sem que houvesse, ao menos, uma ameaça palpável – uma guerra, um golpe de Estado, uma expulsão iminente – por trás do corre-corre. Com 48 horas para findar-se o mandato, Jair deu no pé, levando consigo a família e alguns serviçais. Tudo pago, naturalmente, com dinheiro do contribuinte brasileiro.

O antigo mandatário instalou-se na Flórida, estado americano famoso por congregar a diáspora conservadora latino-americana. Ao fazê-lo, gerou problemas para o hospedeiro. Em primeiro lugar, por abusar da hospitalidade, valendo-se de um visto inadequado para a permanência. Em segundo lugar, por transformar o país estrangeiro em plataforma de lançamento dos seus torpedos golpistas e terroristas – disparados contra as sedes dos poderes constituídos, no Brasil, em 8 de janeiro último. Em terceiro lugar, por mobilizar e energizar, por via reflexa, os latinotrumpistas dormentes, iniciando um tour caça-níqueis pelo sul dos Estados Unidos, em companhia dos colegas de credo.

A reação logo veio. Lideranças do partido Democrata pleitearam, junto ao Comitê de Relações Exteriores do Congresso americano, a expulsão de Bolsonaro do seu país. Como não há pedido formal de extradição, porém, a chance de tal requisição prosperar é pequena. Ainda assim, o embaraço diplomático não para de aumentar, especialmente porque o ex-presidente sul-americano insiste em desafiar as normas civis – como, por exemplo, ao fazer proselitismo golpista, ou desempenhar atividades remuneradas sob visto de turista. Jair nunca foi, afinal, moderado por instituições. Parece apenas entender a linguagem das punições e recompensas.

Como se diz "indesejável" em esperanto?

Se os Estados Unidos, tantas vezes autorreferenciados como terra da liberdade, expressam impaciência com o seu barulhento hóspede, os europeus tampouco estão propensos a abraçá-lo.

Italianos, ancestrais da família Bolsonaro, já se pronunciaram, por meio de parlamentares, contra a ideia de prover asilo político ao ex-presidente brasileiro. Diante da notícia de que Flávio e Eduardo, filhos de Jair, estariam dispostos a mudar-se para a Península Itálica, uma bancada de centro e esquerda no Congresso se entrincheirou, rechaçando a hipótese. E, pelo que tudo indica, nem mesmo os exemplares da extrema direita daquele país, tão em voga nos últimos tempos, parecem querer associação com o primo sul-americano.

Fora do circuito Orlando/Roma, as opções de Jair ficam menos glamorosas e operacionalmente mais complexas. A bela Budapeste, ora governada pelo irmão de fé Viktor Orbán, não propiciaria a Bolsonaro e rebentos as conexões sociais necessárias para o exercício remoto da militância. Não haveria multidão de brasileiros estacionada em frente à casa de Jair – tal como se dá neste momento, lá nos Estados Unidos. As perspectivas de uma vida minimamente assemelhada à que teria na Barra da Tijuca, estando o patriarca Bolsonaro fisicamente no leste da Europa, ficariam severamente constrangidas. Para não falar do estrangulamento linguístico. Consegue imaginar o Jair assistindo ao Jornal Nacional húngaro, enquanto saboreia um prato de goulash? Exercício de imaginação difícil.

O ex-presidente Jair Bolsonaro concede uma coletiva de imprensa no Dezerland Park, em Orlando, na Flórida, em 31 de janeiro. Foto: Chandan Khanna/AFP
Primeiro presidente brasileiro a não se reeleger, Jair Bolsonaro deixou o país sem passar a faixa presidencial na solenidade de posse do adversário, Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma alternativa derradeira seria o Golfo Pérsico. Luxuosas paragens, cada vez mais populares entre as classes abastadas brasileiras, como Dubai, Abu Dábi, Doha e Riade, bem poderiam, pelo menos por algum tempo, acolher o milionário líder da extrema direita brasileira. Curiosamente, enquanto ocupou o palácio presidencial, Jair fez um inédito número de viagens para aquela parte do mundo. A rota de fuga, porém, pelos mesmos motivos já alegados no parágrafo anterior, não entusiasmaria o extravagante rei das motociatas. Numa região cuja ordem social é regida por rígidos mandamentos religiosos e políticos, absolutamente alienígenas para qualquer membro da família Bolsonaro, a chance de a fórmula azedar seria considerável.

Banzo do Vivendas da Barra

Ao fim e ao cabo, o sonho de Bolsonaro é poder viajar novamente ao Brasil e, no caldo de cultura da impunidade, do militarismo pretoriano e do autoritarismo fascistóide, fazer um retorno triunfal à cena político-eleitoral. Sendo, basicamente, o que ele sempre foi: uma criatura das franjas do sistema, um imperador do baixo clero, um caroneiro da democracia, um predador institucional. Para isso se concretizar, contudo, muita água teria de correr sob a ponte.

Neste momento, o país lambe as feridas deixadas por um governo desastroso e desastrado, cruel e cruento. Se tudo tramitar mais ou menos dentro da institucionalidade, é possível que, pisando novamente no chão pátrio, Jair tenha de prestar contas à Justiça. E é justamente por esse motivo que, pode-se apostar, ele ainda quererá “descansar” no exterior por um bom tempo...

* Dawisson Belém Lopes é professor de política internacional a UFMG e pesquisador visitante do The Latin American Centre da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

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